Economia

Estado economiza para investir mais

Espírito Santo cria mecanismos para se blindar contra a crise fiscal e manter a capacidade de investimento num período em que a economia brasileira demonstra baixa reação

Foto: Fernando Madeira
Obra na Leitão da Silva

Mesmo com o duro ajuste promovido nas contas públicas nos últimos anos, o Espírito Santo está longe de ver seus problemas fiscais solucionados. O Estado foi o único a receber a nota A da Secretaria do Tesouro Nacional, medida que mostra a capacidade de pagamento aos credores. Mas, apesar disso, há desafios. E eles são gigantes, principalmente no que se refere às despesas com pessoal e com previdência. Assim como todas as unidades da Federação, o Espírito Santo depende das reformas para manter as finanças em dia.

O atual cenário brasileiro, com uma economia ainda patinando, é o alerta sobre a necessidade de manter o controle permanente dos gastos públicos. A atual gestão assegura que seguirá nessa linha de atuação, porém, sem deixar de executar investimentos, sobretudo nas áreas sociais.

O Estado deu um passo importante, com a criação de duas poupanças que serão formadas pela renda do petróleo. Um dos colchões terá como foco o investimento em infraestrutura. O outro mais importante, chamado de Fundo Soberano, exercerá um papel híbrido: ser um instrumento de fomento econômico ao mesmo tempo em que reservará recursos para garantir o futuro capixaba.

Estima-se algo em torno de R$ 11,5 bilhões nos cofres públicos ao longo dos próximos 20 anos. Os recursos são provenientes de acordo fechado entre a Petrobras e a Agência Nacional do Petróleo que unificou os campos na região do Parque das Baleias, no Sul capixaba, após solicitação do governo em 2012 e alguns questionamentos na Justiça.

Parte do dinheiro, em torno de R$ 1,5 bilhão, já deveria ter sido liberada desde 2016, segundo o secretário de Governo, Tyago Hoffmann, e é esse valor de atrasados (até março de 2019) que vai compor o Fundo de Infraestrutura.

“Serão feitos investimentos para diminuir os gargalos de infraestrutura do Estado e melhorar nossa competitividade. Os projetos ainda serão definidos, mas será observado o que for melhor do ponto de vista estratégico para a economia do Espírito Santo, como potencializar o desenvolvimento regional fazendo ligação entre municípios que hoje só dispõem de estradas vicinais para o escoamento agrícola”, aponta Hoffmann.

O secretário acrescenta que na carteira de investimentos serão colocados projetos e obras de interesse do Estado que foram relacionados no planejamento estratégico, tais como rodovias, escolas e unidades de saúde, mas para os quais, atualmente, ainda não há orçamento definido. “A grande vantagem do fundo é evitar que esses recursos sejam usados para custeio ou pagamento de pessoal. O foco será no desenvolvimento.”

Já o Fundo Soberano, fruto do mesmo acordo, será integrado por recursos de participações especiais (valor pago pela Petrobras, conforme a produção do campo petrolífero), e a estimativa é de R$ 500 milhões anuais, por 20 anos.

Nos primeiros quatro anos, segundo Hoffmann, 40% dos recursos serão alocados em uma poupança, e 60%, destinados à aplicação em negócios nos quais o fundo vai se tornar sócio. Nos quatro anos seguintes, a proporção será de 30% para poupança e 70% para investimento. E, ao final, 20% e 80%, respectivamente.

A ideia, afirma o secretário, é que também sejam negócios estratégicos para o desenvolvimento do Estado, como os da área de tecnologia ou de energias renováveis. Questionado sobre eventuais perigos nesse modelo de aportes, Hoffmann explica que o fundo terá uma administração profissional, para minimizar os riscos, uma equipe de análise e tudo o que for apresentado. “É importante falar que também estamos fazendo uma reserva para o futuro de parte desses recursos, que são finitos, para as próximas gerações. Isso é muito inovador”, frisa.

“O Fundo Soberano vem para agregar, gerar riqueza, para que a gente não seja mais uma vítima da maldição do petróleo: quando o dinheiro entra com pujança, criam-se despesas e só sobram dívidas. O petróleo é uma bênção, mas vai acabar. Então, é importante fazer essa reserva, e garantir o futuro”, completa o secretário de Estado da Fazenda, Rogelio Pegoretti.

Situação fiscal

Hoje, observa Pegoretti, o Espírito Santo tem uma situação fiscal mais confortável em comparação a outros entes que, por excesso de gastos e descontrole no acompanhamento da arrecadação, vivenciam crises agudas. Mas reconhece que, apesar de melhor, tal condição não autoriza o Estado a relaxar. “Temos uma série de desafios dos quais não podemos descuidar.”

As incertezas em relação ao desempenho do governo federal e o impacto de suas medidas na economia brasileira, bem como os frequentes embates entre Estados Unidos e China no cenário internacional, que levam tensão ao mundo inteiro, se refletem no Espírito Santo.

Na avaliação da economista e professora da Fucape Arilda Teixeira, só há um caminho para alcançar o equilíbrio orçamentário: colocar os gastos dentro da receita, ou seja, gastar apenas a partir do que se arrecada.

“Para isso, o gestor público deve estimar corretamente as perspectivas de receitas e, principalmente, usar o critério da equidade para decidir sobre as políticas públicas. Sob esse critério, o gestor decide o que for melhor para a coletividade através de uma relação de prioridade – saber identificar a diferença entre o urgente e o importante”, aponta.

GASTO COM PESSOAL É DESAFIO

Embora o Estado procure formas de organizar suas finanças, as despesas com pessoal ainda são um desafio para seus cofres. Em 2018, segundo levantamento do Tribunal de Contas, a folha de pagamento de todos os poderes e órgãos ficou abaixo dos limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que determina que as despesas nessa área não podem ultrapassar os 60% da receita corrente líquida (RCL). O desembolso, porém, representou 52,26% desses recursos.

Somente no Executivo, para o qual a folha de pessoal não pode passar de 49%, o gasto foi de 41,69%. O Judiciário foi o que mais se aproximou do limite de alerta, que no caso desse Poder é de 5,4% – o custo foi de 5,38%.

Para ajudar nesse equilíbrio fiscal, o TCE-ES tem papel fundamental. “A população vê o resultado no mês de junho, quando as contas do governo são apreciadas, mas não sabe que o trabalho começou um ano antes e, ao longo desse período, entre outras medidas, a gente sugere mudanças para melhoria da administração pública. Muitas situações nem chegam a virar problema porque nossa ação é preventiva”, ressalta o coordenador do Núcleo de Macrogestão Governamental no TCE-ES, Robert Detoni.

Dados de 2019, que reúnem informações de maio de 2018 a abril deste ano, apontam que o Estado continua mantendo as despesas da folha sob controle: no período, o pagamento de pessoal representou 51,08% da RCL. Ainda assim, o secretário da Fazenda, Rogelio Pegoretti, revela que a tarefa é árdua. Mesmo sem reajuste salarial, o gasto com a folha tem crescimento vegetativo.

Estamos acompanhando a cada dez dias todos os indicadores de gestão
Rogelio Pegoretti, secretário estadual da Fazenda

Conforme dados apurados pelo Núcleo de Macroavaliação Governamental do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES), o governo apresentou, em abril, um resultado orçamentário superavitário em quase R$ 795 milhões. A arrecadação ficou na ordem de R$ 2,17 bilhões, e as despesas, em R$ 1,37 bilhões. Em comparação ao mês anterior, a receita cresceu 65,74%.

O valor coletado em abril foi influenciado pela primeira parcela (R$ 614 mil) de retroativo dos royalties do petróleo e participações especiais da unificação do Parque das Baleias, pagamento estabelecido na Lei 10.979/2019. Também houve elevação no recolhimento do ICMS: em comparação a março, de R$ 33,7 milhões (6,5%); e em relação a abril do ano passado, de R$ 62,1 milhões (12,69%).

O déficit previdenciário do Estado para 2019 é estimado em R$ 2,3 bilhões pela Secretaria da Fazenda (Sefaz). “E esse déficit vai continuar crescendo – independentemente do que fizermos – por mais alguns anos. Só vai começar a cair em 2032. Mas temos o compromisso de honrar essas aposentadorias. A reforma da Previdência é importante também por isto: vai ajudar a frear um pouco o déficit e, embora não vá reduzi-lo à metade, teria um impacto positivo nas contas”, atesta Rogelio Pegoretti.


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