Estado economiza para investir mais
Espírito Santo cria mecanismos para se blindar contra a crise fiscal e manter a capacidade de investimento num período em que a economia brasileira demonstra baixa reação
Mesmo com o duro ajuste promovido nas contas públicas nos últimos anos, o Espírito Santo está longe de ver seus problemas fiscais solucionados. O Estado foi o único a receber a nota A da Secretaria do Tesouro Nacional, medida que mostra a capacidade de pagamento aos credores. Mas, apesar disso, há desafios. E eles são gigantes, principalmente no que se refere às despesas com pessoal e com previdência. Assim como todas as unidades da Federação, o Espírito Santo depende das reformas para manter as finanças em dia.
O atual cenário brasileiro, com uma economia ainda patinando, é o alerta sobre a necessidade de manter o controle permanente dos gastos públicos. A atual gestão assegura que seguirá nessa linha de atuação, porém, sem deixar de executar investimentos, sobretudo nas áreas sociais.
O Estado deu um passo importante, com a criação de duas poupanças que serão formadas pela renda do petróleo. Um dos colchões terá como foco o investimento em infraestrutura. O outro mais importante, chamado de Fundo Soberano, exercerá um papel híbrido: ser um instrumento de fomento econômico ao mesmo tempo em que reservará recursos para garantir o futuro capixaba.
Estima-se algo em torno de R$ 11,5 bilhões nos cofres públicos ao longo dos próximos 20 anos. Os recursos são provenientes de acordo fechado entre a Petrobras e a Agência Nacional do Petróleo que unificou os campos na região do Parque das Baleias, no Sul capixaba, após solicitação do governo em 2012 e alguns questionamentos na Justiça.
Parte do dinheiro, em torno de R$ 1,5 bilhão, já deveria ter sido liberada desde 2016, segundo o secretário de Governo, Tyago Hoffmann, e é esse valor de atrasados (até março de 2019) que vai compor o Fundo de Infraestrutura.
“Serão feitos investimentos para diminuir os gargalos de infraestrutura do Estado e melhorar nossa competitividade. Os projetos ainda serão definidos, mas será observado o que for melhor do ponto de vista estratégico para a economia do Espírito Santo, como potencializar o desenvolvimento regional fazendo ligação entre municípios que hoje só dispõem de estradas vicinais para o escoamento agrícola”, aponta Hoffmann.
O secretário acrescenta que na carteira de investimentos serão colocados projetos e obras de interesse do Estado que foram relacionados no planejamento estratégico, tais como rodovias, escolas e unidades de saúde, mas para os quais, atualmente, ainda não há orçamento definido. “A grande vantagem do fundo é evitar que esses recursos sejam usados para custeio ou pagamento de pessoal. O foco será no desenvolvimento.”
Já o Fundo Soberano, fruto do mesmo acordo, será integrado por recursos de participações especiais (valor pago pela Petrobras, conforme a produção do campo petrolífero), e a estimativa é de R$ 500 milhões anuais, por 20 anos.
Nos primeiros quatro anos, segundo Hoffmann, 40% dos recursos serão alocados em uma poupança, e 60%, destinados à aplicação em negócios nos quais o fundo vai se tornar sócio. Nos quatro anos seguintes, a proporção será de 30% para poupança e 70% para investimento. E, ao final, 20% e 80%, respectivamente.
A ideia, afirma o secretário, é que também sejam negócios estratégicos para o desenvolvimento do Estado, como os da área de tecnologia ou de energias renováveis. Questionado sobre eventuais perigos nesse modelo de aportes, Hoffmann explica que o fundo terá uma administração profissional, para minimizar os riscos, uma equipe de análise e tudo o que for apresentado. “É importante falar que também estamos fazendo uma reserva para o futuro de parte desses recursos, que são finitos, para as próximas gerações. Isso é muito inovador”, frisa.
“O Fundo Soberano vem para agregar, gerar riqueza, para que a gente não seja mais uma vítima da maldição do petróleo: quando o dinheiro entra com pujança, criam-se despesas e só sobram dívidas. O petróleo é uma bênção, mas vai acabar. Então, é importante fazer essa reserva, e garantir o futuro”, completa o secretário de Estado da Fazenda, Rogelio Pegoretti.
Situação fiscal
Hoje, observa Pegoretti, o Espírito Santo tem uma situação fiscal mais confortável em comparação a outros entes que, por excesso de gastos e descontrole no acompanhamento da arrecadação, vivenciam crises agudas. Mas reconhece que, apesar de melhor, tal condição não autoriza o Estado a relaxar. “Temos uma série de desafios dos quais não podemos descuidar.”
As incertezas em relação ao desempenho do governo federal e o impacto de suas medidas na economia brasileira, bem como os frequentes embates entre Estados Unidos e China no cenário internacional, que levam tensão ao mundo inteiro, se refletem no Espírito Santo.
Na avaliação da economista e professora da Fucape Arilda Teixeira, só há um caminho para alcançar o equilíbrio orçamentário: colocar os gastos dentro da receita, ou seja, gastar apenas a partir do que se arrecada.
“Para isso, o gestor público deve estimar corretamente as perspectivas de receitas e, principalmente, usar o critério da equidade para decidir sobre as políticas públicas. Sob esse critério, o gestor decide o que for melhor para a coletividade através de uma relação de prioridade – saber identificar a diferença entre o urgente e o importante”, aponta.
GASTO COM PESSOAL É DESAFIO
Embora o Estado procure formas de organizar suas finanças, as despesas com pessoal ainda são um desafio para seus cofres. Em 2018, segundo levantamento do Tribunal de Contas, a folha de pagamento de todos os poderes e órgãos ficou abaixo dos limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que determina que as despesas nessa área não podem ultrapassar os 60% da receita corrente líquida (RCL). O desembolso, porém, representou 52,26% desses recursos.
Somente no Executivo, para o qual a folha de pessoal não pode passar de 49%, o gasto foi de 41,69%. O Judiciário foi o que mais se aproximou do limite de alerta, que no caso desse Poder é de 5,4% – o custo foi de 5,38%.
Para ajudar nesse equilíbrio fiscal, o TCE-ES tem papel fundamental. “A população vê o resultado no mês de junho, quando as contas do governo são apreciadas, mas não sabe que o trabalho começou um ano antes e, ao longo desse período, entre outras medidas, a gente sugere mudanças para melhoria da administração pública. Muitas situações nem chegam a virar problema porque nossa ação é preventiva”, ressalta o coordenador do Núcleo de Macrogestão Governamental no TCE-ES, Robert Detoni.
Dados de 2019, que reúnem informações de maio de 2018 a abril deste ano, apontam que o Estado continua mantendo as despesas da folha sob controle: no período, o pagamento de pessoal representou 51,08% da RCL. Ainda assim, o secretário da Fazenda, Rogelio Pegoretti, revela que a tarefa é árdua. Mesmo sem reajuste salarial, o gasto com a folha tem crescimento vegetativo.
Estamos acompanhando a cada dez dias todos os indicadores de gestão
Conforme dados apurados pelo Núcleo de Macroavaliação Governamental do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES), o governo apresentou, em abril, um resultado orçamentário superavitário em quase R$ 795 milhões. A arrecadação ficou na ordem de R$ 2,17 bilhões, e as despesas, em R$ 1,37 bilhões. Em comparação ao mês anterior, a receita cresceu 65,74%.
O valor coletado em abril foi influenciado pela primeira parcela (R$ 614 mil) de retroativo dos royalties do petróleo e participações especiais da unificação do Parque das Baleias, pagamento estabelecido na Lei 10.979/2019. Também houve elevação no recolhimento do ICMS: em comparação a março, de R$ 33,7 milhões (6,5%); e em relação a abril do ano passado, de R$ 62,1 milhões (12,69%).
O déficit previdenciário do Estado para 2019 é estimado em R$ 2,3 bilhões pela Secretaria da Fazenda (Sefaz). “E esse déficit vai continuar crescendo – independentemente do que fizermos – por mais alguns anos. Só vai começar a cair em 2032. Mas temos o compromisso de honrar essas aposentadorias. A reforma da Previdência é importante também por isto: vai ajudar a frear um pouco o déficit e, embora não vá reduzi-lo à metade, teria um impacto positivo nas contas”, atesta Rogelio Pegoretti.