Economia

Mineração busca se reinventar após tragédia

Rompimento de barragens com rejeitos de minério colocou os parâmetros de segurança da atividade em xeque e provocou prejuízos para a economia capixaba

Foto:Vale/Divulgação
A atividade da Vale na economia capixaba representa 13% do PIB

Até o rompimento da barragem de Fundão em Mariana (MG), em novembro de 2015, ninguém imaginava que o robusto setor de mineração, indústria mais importante para o Espírito Santo ao lado do setor petrolífero, pudesse estar vulnerável a tamanhos riscos. Mas, de lá para cá, uma sucessão de fatores tem colocado a atividade em xeque. Para vencer a crise da insegurança que dominou o segmento e mantê-lo vivo, tem sido necessário repensar o modelo de produção, transformação que exige investimentos bilionários, mas que será capaz de trazer mais proteção às comunidades, ao ambiente e também aos negócios.

A Vale, nos cinco próximos anos, deve aplicar mais de R$ 11 bilhões (US$ 2,5 bilhões) em instalações de processamento a seco. Hoje, cerca de 60% da produção da mineradora não usa água. A meta é ampliar para 70%.

A produção a seco não será exclusiva para a extração do minério, pois deve também atingir os complexos de pelotização. O projeto piloto usa base patenteada pela New Steel, empresa que a Vale comprou, em janeiro, por US$ 500 milhões, para ter acesso à tecnologia.

No caso da extração de minério, até conseguir colocar esses novos sistemas em prática, a indústria da mineração vai recorrer a soluções paliativas, como o processo de empilhamento a seco e a contínua desativação de barragens a montante, hoje a opção mais barata de produção.

O setor já vinha de crises de grande impacto na indústria local – como a desvalorização da commodity, a redução do apetite chinês e a turbulência do subprime –, mas a insegurança dos locais de depósito de rejeitos de minério, evidenciada após o rompimento da barragem de Brumadinho (MG) no início deste ano, foi além e trouxe ameaça real para o Espírito Santo de perda significativa de produção e até de uma possível paralisação das atividades da maior empresa no Estado.

Esse temor tem sua razão de existir. A parada das operações da Samarco após a tragédia de Mariana já havia trazido um forte baque para a economia, com perda de arrecadação e fechamentos de vagas de empresa, pois a mineradora representava cerca de 6% do Produto Interno Bruto (PIB) capixaba. Com uma eventual suspensão das atividades da Vale, o impacto poderia ser ainda mais intenso e comprometer o emprego dos 10,3 mil funcionários próprios e terceirizados desta companhia, responsável por 13% da nossa economia.

Ela (Vale) exporta o minério por aqui, produz as pelotas aqui e tem compromissos locais como fornecedora. Por isso estamos acompanhando essa situação de forma atenta e cautelosa
Durval Vieira, gerente de Petróleo e Gás da Findes

Para analistas do mercado financeiro, esse risco de paralisação das atividades da Vale é remoto, mas só a existência dele, ainda que mínima, já acende uma luz amarela para o setor e para a economia, diante da importância da mineração para o Estado. Dessa forma, qualquer impacto na produção local, como já vem ocorrendo, pode representar perdas significativas, sendo este o maior risco no momento, segundo o consultor empresarial e gerente de Petróleo e Gás da Federação das Indústrias do Estado do Espírito Santo (Findes), Durval Vieira.

“Há uma preocupação sim diante do peso da Vale e porque o assunto da segurança das barragens ainda não está claro como vai ficar. Ela exporta o minério por aqui, produz as pelotas aqui e tem compromissos locais como fornecedora. Por isso estamos acompanhando na Findes essa situação de forma atenta e cautelosa”, pontua.

No poder público, a Secretaria de Estado da Fazenda (Sefaz) intensificou os estudos sobre o setor e passou a acompanhar as ações da mineradora mais de perto para, segundo o titular da pasta, Rogelio Pegoretti, “não sermos pegos de surpresa”.

“Trata-se de uma atividade que dinamiza a nossa economia, gera milhares de empregos diretos e indiretos e tem um faturamento muito relevante, além do impacto na arrecadação. Por isso estamos mais atentos, até pelo que significou a paralisação da Samarco”, pontua.

Em maio, o risco de rompimento de outra barragem, a Sul Superior, em Barão de Cocais (MG), religou o alerta. Mesmo com os critérios de segurança dos reservatórios sendo elevados, inclusive pela própria Vale, e com a fiscalização e o acompanhamento por parte dos entes públicos apresentando-se mais efetivos, a dependência dessas estruturas para boa parte da mineração em Minas Gerais ainda representa um gargalo.

É nesse ponto que entra o risco para o Espírito Santo, já que 60% do minério de ferro extraído em Minas pela Vale corresponde à produção do chamado Sistema Sudeste, modelo logístico que engloba três complexos mineradores no Estado vizinho, o escoamento através da Ferrovia Vitória-Minas e a pelotização ou exportação in natura da commodity pelo Porto de Tubarão.

Exportação

Se a paralisação da Samarco após o desastre de Mariana, em 2015, já impôs ao Espírito Santo uma duro golpe econômico e social, com a lama atingindo o Rio Doce e o mar, ambos ainda não recuperados, pouco mais de três anos depois o Estado volta a conviver com os impactos da insegurança das barragens.

Desta vez a lama não chegou ao Estado, mas o efeito Brumadinho já começou a ser sentido nas exportações de minério in natura da Vale por meio do Complexo de Tubarão, em Vitória.

A princípio, o desastre não provocou queda na produção de pelotização, embora a atividade tenha apresentado redução de 14,6% no primeiro trimestre de 2019 em comparação com os últimos três meses do ano passado, segundo o relatório da produção da Vale. Um dos motivos da retração foi a suspensão das atividades de quatro usinas por cinco dias após interdição de tanques de água em Tubarão.

A empresa produziu nas oito usinas de Tubarão, que compõem o maior complexo pelotizador do mundo, um total de 7.760 toneladas métricas de pelotas entre janeiro e março deste ano. Nos últimos três meses de 2018, foram 9.087 toneladas fornecidas no Sistema Sudeste.

Segundo a empresa, também impactaram os resultados as manutenções programadas nas usinas 3 e 7, bem como a parada de cinco dias das usinas 1, 2, 3 e 4, após a interdição executada pela Prefeitura de Vitória, em fevereiro, de três áreas do Complexo de Tubarão.

A produção de minério de ferro no Sistema Sudeste teve uma queda ainda maior, de 26,3% no primeiro trimestre, sobretudo em razão da paralisação das operações na mina de Brucutu, a maior da Vale em Minas Gerais, após determinação judicial que impediu a empresa de descartar rejeitos na barragem de Laranjeiras para que os riscos de rompimento não fossem elevados.

A Vale não especifica quanto do total produzido no Sistema Sudeste é exportado através do Porto de Tubarão. Mas, no geral, a companhia viu suas vendas de minério caírem 31,7% neste começo de ano.

A proporção desses impactos diante da tragédia anterior, da Samarco, ainda é pequena, na avaliação de especialistas. Mas já é suficiente para que haja uma preocupação. Para o consultor empresarial Durval Vieira Freitas, gerente da Findes, no mínimo se acende um alerta.

“O mercado mundial de pelotas é de 140 milhões de toneladas, e o Espírito Santo tem capacidade de produzir 60 milhões de toneladas. É uma relevância que temos nesse setor e que é muito importante para o Estado. Brumadinho não teve um grande impacto na pelotização ao meu ver, mas no porto, sim. Só que na exportação isso não interfere tanto porque o minério é vendido e faturado por Minas”, afirma.

Por esse motivo e pela isenção do pagamento do ICMS para exportações, o secretário estadual da Fazenda, Rogelio Pegoretti, explica não ter havido reflexo negativo na arrecadação neste começo de ano.

“Trata-se de um setor muito relevante para o Estado, mas, como quase a totalidade da produção é exportada, a representatividade sobre as vendas de minério e pelotas na arrecadação de ICMS é muito baixa por causa da exoneração para essas transações de embarque prevista na Lei Kandir. O Estado arrecada mais de forma indireta no setor, com insumos necessários para a operação, por exemplo, e em curto prazo isso não foi sentido”, diz.

ENTENDA O SISTEMA SUDESTE DA VALE

PRODUÇÃO

Complexo Itabira

Minas: Cauê, Conceição e Minas do Meio

Barragens: nenhuma conta com beneficiamento a seco, sendo utilizadas barragens.

Complexo Mariana

Minas: Fazendão, Alegria, Timbopeba e Fábrica Nova.

Barragens: Timbopeba utiliza apenas barragens. Já as demais já processam parte da produção a seco.

Complexo Minas Centrais

Minas: Brucutu e Água Limpa.

Barragens: ambas utilizam barragens de rejeitos. Brucutu, a maior mina da Vale em Minas, possui beneficiamento a seco em algumas plantas.

DESTINAÇÃO

Transporte

O minério é embarcado e transportado em trens através da Ferrovia Vitória-Minas.

Exportação do minério in natura

Todo o minério produzido no Sistema Sudeste vem para o Espírito Santo. Parte dele é exportado pelo Porto de Tubarão, em Vitória.

Pelotização

Outra parte vai para as oito usinas pelotizadoras de Tubarão. As pelotas também são exportadas ou vendidas para o mercado interno para produção de ferro-gusa e aço.


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