2018

Surge um novo poder local

"Só um choque de gestão ensejaria a retomada sustentável do crescimento. E isso pode e deve começar pelo município"

Foto:Divulgação
Estilaque Ferreira dos Santos, historiador

Há cerca de um século, Muniz Freire e Jerônimo Monteiro sonhavam com uma grande capital portuária, capaz de liderar e estruturar o desenvolvimento do Espírito Santo. O sonho se realizou e hoje está em pauta a interiorização e a descentralização. Precisamos focar no crescimento dos municípios e das cidades do interior. Muitas delas foram portos fluviais que nasceram com funções empresariais. Nossos rios propiciaram o povoamento do interior com laboriosos imigrantes estrangeiros e nacionais e serviram como estradas líquidas para o escoamento da produção local, principalmente do café, como observou o geógrafo Carlos Teixeira.

A partir dos portos, em que casas e entrepostos comerciais se constituíram, surgiram os caminhos de tropeiros, e as vilas ribeirinhas atuaram como “boca do sertão”. Surgiram redes de povoados e de cidades, em que lideranças locais desempenharam relevante papel. Novos meios de transporte substituíram os portos por estações ferroviárias, e depois por rodovias, e incrementaram os fluxos de mercadorias. As experiências empresariais se ampliaram e boa parte de nossos grupos empresariais, formada por descendentes de imigrantes, tiveram essa origem.

Assim se explicam as vantagens comparativas acumuladas por cidades ribeirinhas como Cachoeiro de Itapemirim, Colatina, Linhares e São Mateus. Ao longo da história, elas se transformaram em centro regionais, entrelaçadas a outras cidades e delas partem redes nas quais diferenças e complementaridades criaram cadeias produtivas dotadas de dinamismo e sustentabilidade.

Esta experiência empresarial local, do Estado, pode ser útil para enfrentarmos o desafio que temos pela frente. O Brasil foi até bem-sucedido no século XX. Mas o centralismo e o estatismo prevaleceram, com uma estratégia baseada numa forte intervenção federal e na substituição de importações, que gerou não só o crescimento mas também o fechamento da economia, além de grande desigualdade de renda. O modelo favorecia o trinômio gastança irresponsável, corrupção e inflação, e entrou em crise irreversível nos anos 80. Desde então patinamos no “crescimento medíocre” e na recessão.

Só um choque de gestão ensejaria a retomada sustentável do crescimento. E isso pode e deve começar pelo município, porém a cidadania deve se compenetrar de sua missão. A superação da crise de confiança requer um ambiente de inovação que envolva as instituições locais e crie uma rede de cidadãos atuantes no plano empresarial, social e político, visando uma melhor qualidade de vida para todos. J. S. Mill, filósofo e economista britânico do século XIX, dizia que a “disciplina mental” é um fator importante na solução de problemas locais. Além dela exige-se um ambiente cognitivo, uma cultura e uma identidade coletiva, que envolvam reputação, conhecimentos práticos, troca de informação, confiança, cooperação e expectativas de crescimento.

Tais qualidades, normalmente associadas à atividade empresarial, quando exercitadas no plano local, e é aqui que entra a experiência do Espírito Santo, podem criar um quadro institucional que previna o desvio de recursos públicos, e um clima de responsabilidade compartilhada, que transforme os cidadãos em gestores ativos das políticas públicas, como sugeriu o economista ítalo-brasileiro, André Urani. Elas podem ajudar o poder local a se livrar do empreguismo, da politicagem, da roubalheira, e da ineficiência, convertendo-se, com apoio na estrutura estadual e federal, em alavanca do desenvolvimento social, da competitividade e de inserção nos mercados regional, nacional e mundial.

Estilaque Ferreira dos Santos, historiador


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