Inovação

Fomos sorteados para viver a transformação digital

Fomos sorteados para viver este processo que chamamos de transformação digital

*Pedro Doria

Não é sempre que acontece. A última vez faz uns dois séculos e meio. Mas, de vez em quando, na história da humanidade aparece uma revolução tecnológica tão acachapante que tudo muda. Muda como namoramos e como governamos, quem tem poder ou como se faz dinheiro, como organizamos o dia, ou trabalhamos. Após a Revolução Industrial, o dinheiro saiu do campo e foi para as fábricas, o Antigo Regime, caiu e vieram as democracias, passamos a andar com relógio, a organizar o trabalho em etapas, montamos um sistema bancário de tanta riqueza que passamos a produzir. Está acontecendo de novo. Não é uma Quarta Revolução Industrial. É a Revolução Digital.

Ela começou devagarzinho, ali nos anos 1960, se insinuou nas casas nos anos 80, entre os 90 e 2000 ligou-nos a todos em rede e, desde então, ficou móvel. Agora, com a chegada da inteligência artificial, começa já a extinguir uma série de profissões. Do contador ao caixa de loja, do motorista a corretores de seguro. Não há indústria que não tenha sido, ou que não vá ser chacoalhada por ela. A fonográfica perdeu num único ano — 2001 — dois terços do seu faturamento, amargou mais de década no vermelho, até ressurgir enfim azul, em 2017. Vivia de vender discos, hoje faz marketing por streaming e vende grandes shows mundiais. O negócio é outro. A indústria automotiva se prepara para deixar o ramo da venda de carros, para fazer de carros autônomos um serviço que o cliente paga mensalmente para ser sempre atendido. Computadores já começam a ler exames e diagnosticar, liberando os médicos para que conversem e ouçam um pouco mais seus pacientes.

Todos seremos tocados.

Não é simples passar a vida dentro duma revolução. Mas é como passaremos a nossa — tecnologia parece evoluir muito rápido, mas as mudanças econômicas, sociais e políticas causadas por seu impacto ocorrerão num espaço de décadas. Fomos sorteados para viver este processo que chamamos transformação digital. Já não se elege ninguém como se elegia, já não se consome notícia como antes, sequer encontramos futuras mulheres e maridos como no tempo de ainda há pouco. Compreender que tudo está mudando é duro. Gera angústia. A solução para a vida de nós todos começa respirando fundo e compreendendo que resistir, ora, resistir é fútil. Mas isto não quer dizer aceitar tudo. Mesmo as gigantes do Vale têm de obedecer a leis, e democracias devem ser preservadas. Foi uma conquista cara demais. Não podemos deixar que todo o valor criado — na cultura, na indústria, na sociedade — seja simplesmente abandonado. Esta é a missão de nossa geração. Aceitar e fluir com a mudança, tendo a sapiência de compreender, entre o joio e o trigo, o que é importante demais para preservar.

*O autor é colunista de O Globo, comentárista da CBN, empreendedor do mercado digital e dono da neswletter Meio


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